A Japan House São Paulo e o Instituto Tomie Ohtake se uniram para a série “Correspondências Arquitetônicas: Brasil e Japão”, uma troca semanal de cartas online que irá traçar um paralelo sobre temas relacionados ao MORAR nos dois países.”

CARTA 3

Querida Japan House São Paulo,

Começo essa carta contando que resolvi, dessa vez, alterar um pouco os rumos da nossa conversa. Sei que estamos ultimamente discutindo iniciativas recentes e o modo como arquitetos vêm pensando novas ideias de morar, mas não pude me esquivar de relembrar um projeto de quatro décadas atrás. Voltamos rapidamente para 1979 porque, quando se trata de refletir sobre modos de morar, a Casa Bola de Eduardo Longo continua, ainda hoje, sendo um projeto visionário.

Embora Longo tenha estudado em São Paulo na Universidade Mackenzie, desde o seu primeiro projeto realizado em 1964, ainda estudante, o arquiteto mostrou um modo de lidar com a arquitetura muito mais conectado a movimentos de vanguarda de outras regiões do mundo do que à escola brutalista que estava sendo consolidada naquele momento em São Paulo.

Em 1972, contaminado pela onda contracultural e pelo movimento hippie, Longo, que já era um arquiteto promissor, passa por um processo vigoroso de revisão de sua atuação e seu modo de vida, elimina hábitos supérfluos e faz modificações substanciais em sua casa-escritório de 1970, derruba paredes e transforma o térreo da construção em passagem pública. É sobre a estrutura da casa-escritório que o arquiteto concebe um protótipo de sua ideia de casa bola na escala de 8:10. Assim, a casa que deveria ter dez metros de diâmetro é feita com oito, respeitando as exigências legais de recuo do terreno. Mesmo com tamanho reduzido, a casa chama a atenção de qualquer passante, dado seu formato inusitado e a inevitável indagação de como devem ser seus espaços internos.

Longo constrói praticamente sozinho a sua casa, que seria o protótipo manual de uma casa a ser produzida em escala industrial, tal como um automóvel. Essas ideias conectam Longo às vanguardas como os ingleses Archigram e os metabolistas japoneses, ambos dos anos 1960. As casas bola seriam instaladas em edifícios que mais se parecem com prateleiras gigantes, com o benefício de assegurarem uma área pública ao redor de si devido à sua volumetria, haja vista que uma esfera ao lado de outras não ocupa o espaço completamente.
A casca externa, de argamassa armada, foi concebida com a ajuda de Charles Holmquist, um amigo com experiência na construção naval. Internamente as paredes são de concreto celular, um tipo mais aerado e leve de concreto. A casa, onde Longo ainda hoje reside, conta com três suítes, sala de estar, lavabo, cozinha, dormitório de empregada e lavanderia. Bom, por mais radical que seja a forma e os materiais, trata-se de um programa de classe média alta típico de até poucos anos atrás.

Querida Japan House São Paulo, esperamos que você tenha achado que valeu a pena voltar um pouco no tempo. Esperamos por notícias.

Instituto Tomie Ohtake.
Veja a resposta completa
https://bit.ly/carta_03

Projeto: Casa Bola – Eduardo Longo
Fotos: Tuca Reines

  

CARTA 2

Querida Japan House São Paulo,
Obrigado por ter nos apresentado o projeto A House for Oiso, do arquiteto Tsuyoshi Tane, com o DGT Architects. O seu diálogo com a memória e suas técnicas construtivas, sabendo lidar com um sítio com tantas camadas históricas, nos remeteu a um projeto brasileiro que teve imensa repercussão, tendo sido premiado pelo Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel em 2017 e logrado prêmios também fora do Brasil.

O projeto Moradias Infantis, inaugurado em 2017, lida com questões profundas da memória nacional como os saberes indígenas e a tradição do trabalho manual da lavoura. Os escritórios Aleph Zero e Rosenbaum se uniram nessa empreitada de reinventar o internato de uma escola rural localizado numa fazenda no município de Formoso do Araguaia, no Tocantins.

Para viabilizar um projeto que tivesse claramente um caráter colaborativo, jovens e outras pessoas envolvidas foram chamados para pensar conjuntamente uma nova ideia de internato e aprendizado. A finalidade era ser efetivamente um lar para 540 crianças e adolescentes, com espaços convidativos e aprazíveis. Estes filhos de caboclos e indígenas com idade entre 13 e 18 anos ali vivem em regime de internato a fim de viabilizar a rotina escolar, uma vez que suas famílias vivem em regiões isoladas da zona rural do centro-oeste brasileiro. Assim, se antes havia um dormitório para meninos e outro para meninas, a separação por gênero resultou em duas vilas, porém agora com quartos para seis pessoas. Todo o projeto é acolhido por um telhado generoso que garante sombra. Anexos aos dormitórios, espaços de convívio como sala de TV, sala de leitura, varandas, pátios e redários visam aproximar o edifício de uma lógica de casa.

Do ponto de vista construtivo, houve o emprego de peças pré-fabricadas de madeira reflorestada. Assim como as casas da região, os blocos de alvenaria são de barro cru e utilizaram o solo da própria fazenda. Outra técnica recorrente é o efeito muxarabi, alcançado com o afastamento entre os blocos, recurso usado de modo a garantir qualidade térmica para as áreas de serviço do projeto. Nos pátios buscou-se reproduzir o microclima advindo do encontro de 3 biomas locais: Cerrado, Amazônia e Pantanal.

Como apontou o júri da 4ª edição do Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel, o que vemos é um diálogo minucioso e atento entre a técnica contemporânea e o rico conhecimento vernacular local. Ao aliar a solução industrializada, da estrutura de madeira laminada colada, ao emprego vernacular do adobe, estes dois materiais conferem unidade aos pavilhões que abrigam os dormitórios, áreas coletivas e passarelas.

Um abraço,
Instituto Tomie Ohtake.

Veja a resposta completa
https://bit.ly/carta_02

Projeto Moradias Infantis – Aleph Zero + Rosenbaum
Fotos: Leonardo Finotti

  

CARTA 1

Querida Japan House São Paulo, lhe escrevemos com a curiosidade de saber como a arquitetura contemporânea japonesa vem lidando com a questão do morar. Sim, sabemos que este é um tema vasto, mas como teremos ainda algumas oportunidades para desenrolar essa conversa, gostaríamos de começar esse diálogo sem muita pressa, apresentando uma das soluções de moradia mais interessantes da arquitetura contemporânea brasileira. Mesmo metrópoles como São Paulo lidam com a ideia de adensamento de maneira muito distinta das cidades japonesas. E quando pensamos em lotes exíguos no Brasil, é comum vir à mente bairros moldados pela lógica da informalidade. Vamos usar este mote para apresentar o projeto que logrou primeiro lugar na 3ª edição do Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel, em 2016.

A Casa Vila Matilde, situada no bairro de mesmo nome em São Paulo e concebida pelo escritório Terra e Tuma, surgiu com um propósito claro: deveria se adequar às restrições orçamentárias e contar com uma construção ágil, a fim de que os recursos da proprietária não se esvaíssem com a necessidade de pagar um aluguel durante o projeto. A casa anterior estava comprometida em termos de estrutura e salubridade e cederia seu lugar para a nova casa.
Danilo Terra, Pedro Tuma e Fernanda Sakano, arquitetos do escritório paulistano Terra e Tuma, já vinham desenvolvendo uma investigação com estrutura e bloco aparentes, o que resulta em baixo custo e agilidade na execução da obra. A escolha por colocar tudo à mostra não é mera demanda técnica, mas também um partido estético. Como foi destacado pelo júri da edição de 2016 do Prêmio de Arquitetura, o emprego de alvenaria autoportante, de lajes pré-fabricadas em concreto armado, além das instalações elétricas aparentes emprestam à casa um aspecto associado comumente a escolas e fábricas, mas não tanto a um repertório doméstico. Ao mesmo tempo, essa crueza em revelar as entranhas da construção estabelece um forte diálogo com o léxico do brutalismo paulista, bastante consolidado na segunda metade do século XX, com o seu monocromatismo advindo do uso extensivo de concreto aparente.

O projeto, concluído em 2015, também se mostrou funcional no que diz respeito ao aproveitamento dos espaços. A planta baixa foi organizada de modo a atender aos desafios do lote exíguo (4,8m de largura por 25m de profundidade). No dia-a-dia, a casa funciona fundamentalmente como uma casa térrea. Afinal, a futura moradora Dona Dalva já contava à época com pouco mais de setenta anos. Há no centro do terreno um pátio que é ladeado por um corredor articulado com lavabo, cozinha e área de serviço. À frente do lote está a sala, que teve sua laje transformada em horta. Ao fundo do terreno se situam as escadas e suítes, sendo a suíte do pavimento superior destinada a visitantes e a suíte térrea, da moradora. O pátio possui, portanto, a função de garantir luz e ventilação para todos os cômodos. O projeto, que conta com 95m2, contempla ainda a possibilidade de ampliação.

Como estávamos dizendo, os lotes exíguos no Brasil não se resumem a bairros frutos da informalidade, mas a Casa Vila Matilde é especialmente interessante porque as soluções arquitetônicas brasileiras, que normalmente ganham destaque em revistas e premiações, são destinadas para a classe média alta e para os ricos. É muito comum o pensamento de que são somente algumas pessoas que podem custear o trabalho de arquitetos, resultando num grande percentual de edifícios realizados por autoconstrução. Este projeto demonstra que é possível realizar obras de excelência respeitando limites orçamentários mais restritos. Neste caso, foram as economias feitas por Dona Dalva ao longo de seus trinta anos como diarista que custearam a proposta. Aliás, a casa teve tamanha repercussão que a simpática Dona Dalva se tornou figura recorrente em entrevistas e matérias contando como conseguiu viabilizar o projeto.

Esperamos que as notícias tenham sido provocativas o suficiente para que você nos traga notícias de como a arquitetura japonesa recente vem lidando com a questão dos lotes mínimos. Aguardamos ansiosos!

Um abraço,
Instituto Tomie Ohtake.

Veja a resposta completa em
https://bit.ly/carta_01

Projeto Casa Vila Matilde – Terra e Tuma
Fotos: Pedro Kok